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Organização dos Poderes e Estado Democrático de Direito


De início, precisamos dizer que o tema da Mesa (Constitucionalismo e Estado Democrático de Direito) traz quatro termos polêmicos, constitucionalismo, estado, democracia e direito, que são essencialmente controversos cada um deles, bastando somente um para passarmos tarde e noite discutindo as várias teorias que tratam do assunto. Quando eu falo de um Estado de Direito, eu primeiro tenho uma referência de que tipo de Estado eu estou me referindo e depois de que tipo de Direito estou me referindo. Ao colocar o Democrático, tenho novo elemento, que na verdade conturba tudo isso e, ao se ter o Constitucionalismo como referencial, incluo outros parâmetros de análise.


Minha primeira reflexão é essa, são termos polêmicos, controversos e que ao longo da história, tiveram diferentes concepções e teorias, que conflitam entre si. Imaginar um Estado Democrático de Direito, só o significado dessa expressão traz, em si, uma carga histórica de luta. Por que eu digo isso? Porque muitas vezes nós dizemos que estamos em um Estado Liberal ou em uma Democracia Liberal, quando, na verdade, é o que as professoras Sueli (http://bit.ly/2piRKNR) e Barbara (http://migre.me/wKP1Y) já colocaram, que ao nos referirmos a uma Constituição, essa Constituição está sempre e essencialmente em disputa, há sempre uma luta pelo seu significado, como aplicá-la e como interpretá-la, ela não é um dado. Darei um exemplo muito simples: na Constituição brasileira de 1988, nós temos um conjunto de direitos sociais, que são continuamente questionados sobre sua previsão na Constituição e como devem ser aplicados, de modo que hoje nós ainda não conseguimos, efetivamente, criar um Estado Social. Quando colocamos a defesa da propriedade privada e ao seu lado a função social da propriedade, modificamos todo o contorno do conceito de propriedade. Porém, como ainda possuímos uma visão liberal de Estado, essa função social é contestada e não é aplicada. É a teoria que eu adoto sobre a Constituição que fará com que eu a interprete de determinada maneira. O que significa a Constituição é, lembrando Paul Ricoeur, sempre um espaço de luta, um espaço de conflito. Ao olharmos a Constituição de 88, eu concordo com a Sueli que é a melhor constituição brasileira, mas determinados pontos nunca foram aplicados porque a nossa concepção continua sendo liberal e individualista.


A segunda reflexão é que quando falo em Estado de Direito, antes de ele ser democrático e antes de ser constitucional, implicava, já, em um conjunto de regras norteado pelo princípio da legalidade. Olhando para a história brasileira, veremos que o Estado de Direito, criado no início do século XX, ainda não foi efetivamente concretizado no Brasil, imagine nos termos um Estado Democrático de Direito que seja constitucional. Nós temos o que alguns teóricos chamam de baixa constitucionalidade, a Constituição, por mais que seja importante, não conseguiu se concretizar em muitos dos seus aspectos. Aqui, levanto a pergunta principal dessa exposição: por que ela efetivamente não é cumprida? Citando Roberto Gargarella, porque a “caixa de marcha” não permite. A “caixa de marcha” da Constituição não permite a consolidação da democracia. Tenho dito aos meus alunos de Direito Constitucional II da UFPI que o impeachment desvelou o Brasil porque mostrou que a “caixa de marcha”, tal como foi pensada, como os poderes foram organizados, é para termos problemas na efetivação dos direitos sociais e de viabilização da própria democracia. Embora no atual momento de crise seja impensável uma nova constituinte, se não mudarmos, a longo prazo, como os três poderes estão organizados dentro da Constituição, sempre teremos um Estado ineficiente em garantir o mínimo de dignidade para as pessoas, teremos, continuamente, uma grande desigualdade social e o que a professora Barbara coloca como assimetria de poderes entre os grupos que demandam.


Alguns autores dizem que a soberania popular no Brasil nunca foi efetivada, precisamos pensar como fazer que a soberania popular de fato se exerça, porque ao longo dos anos ela sempre foi impedida de efetivamente se manifestar enquanto poder soberano. Mas por que é que a “caixa de marchas” não funciona? Primeiramente, partindo do que diz Gargarella, os três poderes foram pensados para ter um distanciamento em relação ao povo. O atual distanciamento da representação existe porque o modelo foi pensando para ser assim e, é claro que o sistema representativo tem em sua base a distância entre representante e representado, porém no Brasil nós levamos ao extremo essa distância. Se pensarmos o Legislativo, o Brasil possui imunidades parlamentares difíceis de serem encontradas em outros países, onde a imunidade dos parlamentares é meramente material, ou seja, quanto à inviolabilidade das suas opiniões e dos seus votos, pouquíssimos países possuem uma imunidade formal como nós temos, no sentido de não sofrer prisões ou ter restrições quanto ao processo por crimes, sejam eles de que natureza forem, quanto mais crimes comuns, como no Brasil; e, mais ainda, o foro privilegiado que permite seus processos serem decididos por instâncias como a Suprema Corte. A quantidade de poderes e privilégios que possuem os nossos parlamentares é, também, algo que é inusitado em relação ao outros países do mundo, que, aliado ao sistema representativo, faz com que o parlamentar se distancie mais ainda da população.


Olhando a sistemática de relação entre os três poderes no Brasil, eles são constituídos de tal forma que sempre vai haver uma negociação entre eles. Vejam agora na nomeação do ministro, em um determinado momento, um jornalista flagrou esse momento, o ministro se vira para um senador e pergunta: está indo tudo bem? Vejam o abusurdo, ele está em uma sabatina e pergunta ao seu sabatinador se tudo estava indo bem. Aqui, no modo como a Constituição brasileira estabelece, há uma dependência recíproca, se nesse momento é o indicado a ministro que precisa da aprovação do Senado, no momento seguinte, é o senador que precisar do ministro, por causa do foro privilegiado e da possibilidade de o Supremo Tribunal Federal julgar os crimes. Essa relação faz com que os três poderes tenham sempre uma negociação e, não há nesse processo, espaços deliberativos, há espaços de negociação. A relação entre os poderes Executivo e Legislativo no processo de elaboração das leis, não é um processo de deliberação e discussão, é um processo de negociação, que no Brasil se dá na forma troca de favores pessoais. Teremos problemas para o futuro de consolidarmos o Estado Democrático de Direito sem a desvinculação dos três poderes e sem reformá-los em novas bases, porque o Estado Democrático de Direito é pensado em termos de constituição, é ela quem vai balizá-lo.


Concluindo, nós apostamos muito na força das instituições, tanto dentro da Ciência Política como do Direito. Tem a corrente institucionalista que acredita que o peso das instituições, o modo como as instituições estão organizadas, influencia a dinâmica dos participantes. No Brasil, nós pesamos muito na força desse institucionalismo, se pensarmos a própria crise de 2016/2017 das instituições, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público, Policial Federal, nós vamos ver como as instituições que criamos até o momento não estão sendo capazes de criar uma filosofia interna que permita aos seus participantes se guiarem por aquilo que é a instituição. Nós temos uma fragilidade institucional, que também dificulta o processo de construção do Estado Democrático de Direito. A minha intenção era demonstrar que, na verdade, o que a Constituição diz está em disputa, porém o modo como a nossa Constituição está construída, possui problemas graves, que nos impedem de criar um Estado Democrático de Direito com o mínimo de desigualdade, aos níveis razoáveis de primeiro mundo.


(*) Exposição realizada em 20 de Abril de 2017, na Mesa Constitucionalismo e Estado Democrático de Direito, a convite do Núcleo de Instituições e Políticas Públicas e do Núcleo de Direitos Humanos Esperança Garcia, no Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí.

(**)Fernando Ferreira dos Santos é professor do curso de Direito da Universidade Federal do Piauí e coordenador do Grupo de Estudos em Direitos Crítico, vinculado ao Núcleo de Direitos Humanos Esperança Garcia da UFPI.

(***) Edição de Camila Pacheco e Iago Masciel.


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