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CRÍTICA – MOOLAADÉ

Moolaadé é uma produção para aqueles que estão dispostos a acompanhar a riqueza cultural africana, os traços de uma alteração substancial de uma tradição e, sobretudo, o fazer político em vias de fato. Deparamo-nos com uma aldeia africana em que a mutilação genital feminina é costumeira e representa um ritual de purificação para legitimar a possibilidade de casamento com algum homem do grupo. Em um cenário amplamente comunitarista, em que a solidariedade se pauta na imposição e no estabelecimento de tradições rígidas, uma mulher, Collé, ameaça a estrutura da organização das mulheres enquanto vozes mudas.


Acontece que a mulher, forte e aguerrida, recusou-se a purificar a própria filha (fato pelo qual esta passou a ser chamada de bilakolo, termo cujo significado é “impura”), motivo pelo qual um grupo de quatro garotas que fugiam do ritual supracitado foram pedir proteção a ela. Nesse momento, Collé invocou um espírito acolhedor sagrado (que só pode ser renunciado por quem o suscita) chamado Moolaadé: eis que a revolução se inicia, em um confronto constante entre tradição e modernidade.


A produção, com o intuito de carregar o espectador a uma realidade de transformação política, não faz questão de apresentar tramas secundárias relevantes para prendê-lo: o questionamento é feito tempestivamente com a aparição de personagens que negam a atitude de Collé. Em sequência, as Salinandas (mulheres responsáveis pelo ritual de purificação) apresentam resistência, seguidas pelos homens do longínquo vilarejo.


Durante o processo de questionamento da tradição ritualística, cada vez mais mulheres aderem à opinião de que existe uma forte agressão nesse procedimento, o que traz à tona a problemática da sua real necessidade. Como forma de controlar ainda mais as mentes femininas do local, os homens confiscam os rádios de suas esposas, motivo pelo qual elas se reúnem em vigília.


O clímax, contudo, decorre do fato de o marido de Collé retornar de viagem e tentar forçá-la a proferir a palavra que encerra o Moolaadé. Chicoteada publicamente, aos gritos favoráveis dos tradicionais e desfavoráveis das mulheres, Collé resiste, recebendo ajuda de Mercenário, comerciante local.


A necessidade de protagonizar as lutas por dignidade humana, nos dizeres do Joaquín Herrera Flores, faz com que o panorama contestador vingue. As facas utilizadas pelas Salinandas para cortar as garotas são descartadas: reside nesse ponto a simbologia da transição. As mulheres, portanto, passam a contar a sua própria história, a tecê-la, ao menos no sentido de que, ao fim e ao cabo, fizeram com que suas vozes fossem ouvidas: “nenhuma outra menina será cortada!”.


MOOLAADÉ. Direção: Ousmane Sembene. Produção: Filmi Doomirew (Senegal), Ciné-Sud Promotion (França), Direção da Cinematografia Nacional (Burkina Faso), Centro Cinematográfico Marroquí (Marrocos), Cinétéléfilms (Tunísia) e Les Films de la Terre Africaine (Camarões). Senegal, 2005, 117 min.

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